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Recontar a própria história

Por parte de mãe, sou descendente de duas famílias de italianos, homens e mulheres de braços e mãos grandes, decorrência do árduo trabalho. Cunhagem. Por parte de pai, minha avó provinha de uma família de franceses, orgulhosos e contadores de estórias e o avô, de uma família de portugueses, da qual pouco se sabe. Referências que moldam. Considerando a perda de um feto de poucas semanas, sou a segunda filha de Alceu e Mirtes. Meu nascimento foi em Curitiba, na primeira hora do dia dois de agosto de 1955, inverno rigoroso, em noite de muito frio e gelo.

Mar 1 [Do lat. mare.] S.m.
Mar 2 [Do siríaco mar.] S.m.
Ilhoa (ô). S.f. Mulher natural de ilha.
De mar+ ilha = Marília.

A parteira, Dona Santa, avisou ao meu pai, com os pés orvalhados e a minha avó apreensiva, que minha mãe e eu não sobreviveríamos. A fazedora de nascimentos ficou em vigília, pastoreando da madrugada até o dia clarear. Nós duas, aquecidas pelo fogão a lenha, alimentadas, eu pelo leite materno e a progenitora pela canja de galinha de minha avó Marica, sobrevivemos. 

Dei os primeiros passos na casa da vó Luiza, que era fazedora de roupinhas de bonecas e com a qual, anos depois, conversei muitas horas ao pé da cama. A infância foi feliz, de muito brincar com minha irmã e idear no quintal e na casa pequenina de madeira. Cantigas, água de poço, chão de terra, jogos com cacos de louças e as primeiras modelagens. 

Educação severa na família e na escola, mas com a conquista de valores. Sobreveio nesse tempo o encantamento com as aulas de Arte. Na época com viés copista e estereotipado, também a magia das Ciências e dos seus experimentos e as possibilidades dos livros, fechados a chave, na Biblioteca do Colégio.

Mais tarde a Escola Normal, desejo de minha mãe, que acreditava no magistério, como profissão de mulher. Aos poucos tomar para si o desejo alheio, gostar e aprender a ser professora. Cursei Educação Artística e posteriormente Pedagogia. Tornei-me mestre em Educação e me fiz professora ao longo de trinta e seis anos de magistério. Aulas para pré-escolares, alunos de escolas particulares, sem terra, presidiárias, comunidades, artesãos, interessados em cerâmica, idosos, trabalhadores da construção civil, deficientes cognitivos, artistas, estudantes dos Cursos de Arte e Design na Universidade e professores em cursos e assessorias.

Tive deslocações no plano da vida amorosa, mas resisti. Contei estórias, cozinhei, caminhei e descobri que onde tem luz tem sombra.

Adoro mala com rodinhas e já visitei vinte e nove países, proferi palestras, ministrei cursos, participei de projetos, comissões, escrevi livros e artigos, recebi a honraria de premiações e uma sala especial. Fui membro de comissões organizadoras de Encontros, Simpósios, Seminários e Congressos. Membro de comissões julgadoras em salões de arte, conselhos consultivos, deliberativos e de curadoria. Proferi palestras e apresentei trabalhos no Brasil e também em Havana - Cuba e Granada - Espanha. Transitei pelo Psicodrama, pela Psicanálise, pela Pedagogia, mas o meu grande ardor e enlevo, meu cerne encontra-se na Arte.

Sou artista visual e já participei de exposições individuais, em dupla e coletivas. Me expresso principalmente por meio da argila e do bordado e discorro sobre o feminino e questões que perpassam a vida das mulheres. Tenho predileção por vasculhar, escavar arcadas, mercados populares e bazares em busca de objetos insólitos.

Conquistei pessoas que me habitam. Na Comunidade do Pinto, construí a primeira Ludoteca do Paraná, ajudei a erigir um atelier de cerâmica a partir de ruínas, congreguei 1.500 alunos e professores a construírem um mural de cerâmica em uma Escola Pública. Convidei e seduzi 84 artistas a fazerem um jardim com flores brancas em cerâmica e 86 a edificarem cadeiras com o mesmo objetivo, nos jardins de um dos museus mais importantes de Curitiba e da América Latina. Vi o homem pisar na lua, a quebra do muro de Berlim e atravesso o tempo da peste. Recontar a própria história é corporificar narrativas, trazer luz aos meus trajetos, assenhorear-me de mim mesma.

Levo tudo comigo: inquietação, sombra e voz de mulher.

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